Suceder, conforme aponta Silvio de Salvo Venosa, significa substituir, tomar o lugar de outrem, no campo dos fenômenos jurídicos. Na sucessão, existe uma substituição do titular do direito (2005, p. 17). Deste modo, o sucessor substituirá o titular do direito, tomando tal titularidade para si.
A sucessão, ou a transmissão da titularidade de direitos, pode se dar de duas formas: por ato inter vivos (como uma doação ou um contrato, por exemplo) ou por causa mortis. No nosso ordenamento jurídico, o direito das sucessões trata apenas da sucessão em razão da morte, porquanto a sucessão derivada de atos realizados entre vivos seja objeto do direito contratual.
Deste modo, a sucessão causa mortis configura-se como a conseqüência lógica da morte, que dará causa à transmissão da titularidade dos bens, direitos e obrigações. Ao conjunto de tais direitos e obrigações que restam em razão da morte do seu titular dá-se o nome de herança.
Nos termos do art. 1.784 do Código Civil, “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.
Conforme já apontado, a morte é a causa da sucessão, de modo que o momento desta se confunde com o momento da abertura da sucessão. Por conseguinte, o momento da morte encerra em si mesmo a abertura da sucessão e a sua transmissão aos herdeiros. E, de acordo com o princípio da saisine, a herança se transmite aos herdeiros de pleno direito no momento da abertura da sucessão.
Assim, aberta a sucessão, nos termos do art. 1.791 do CC, “a herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros”. E ainda o seu parágrafo único: “até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio”. De modo que, em razão do princípio da saisine, todos os herdeiros, legítimos ou testamentários, entrarão na posse da totalidade da herança administrando-a nos moldes do condomínio.
De outro lado, conforme se depreende dos arts. 1.784 e 1.786 do CC, a sucessão comporta duas modalidades: a legítima e a testamentária. A primeira decorre da lei, a segunda da vontade do de cujus que, por disposição de última vontade, beneficia alguém com uma deixa testamentária. No entanto, independentemente de o sucessor ser legítimo ou testamentário, ele entrará na posse dos bens da herança no momento da abertura da sucessão, no momento da morte do autor da herança.
Destaque-se, porém, que somente aquele herdeiro testamentário que foi beneficiado com uma quota-parte ideal da herança é que vai se incluir naqueles legitimados a entrar na posse dos bens quando da abertura da sucessão. É assim porque, se a deixa testamentária referir-se a um bem determinado, não há herdeiro testamentário e sim legatário. Nas palavras de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, o herdeiro legatário receberá o domínio desde logo e a posse quando da partilha, se beneficiado com coisa certa e receberá o domínio e a posse no momento da partilha, se beneficiado com coisa incerta. (2003, p. 2)
Nos termos do art. 1.789 do CC: “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”. Portanto, fica claro que, na existência de herdeiros necessários, ou seja, aqueles que, sobrevivendo ao de cujus, obrigatoriamente receberão uma parte da herança (cônjuge, descendentes e ascendentes), o autor da herança só poderá testar no equivalente a metade dos seus bens. Incluem-se na parte disponível pelo testador os seus bens pessoais, a parte que lhe caberia nos bens do casal, conforme o regime de bens, e pela parte dos bens que possuísse em condomínio com o seu cônjuge.
Importante ressaltar, neste ponto, a diferença entre o herdeiro necessário e o herdeiro legítimo. O primeiro terá, necessariamente, direito à legítima, isto é, à metade dos bens do falecido ao tempo de sua morte, e somente poderá ser excluídos nos casos previstos em lei: deserdação ou indignidade. De outro lado, até o momento do trânsito em julgado da sentença que decretar a deserdação ou a indignidade o herdeiro ainda é sucessível, e entrará na posse dos bens quando aberta a sucessão. Fica claro, pois, que não bastará a simples vontade do falecido para que se exclua o herdeiro necessário da herança, o que somente irá ocorrer se forem satisfeitas as causas legais de indignidade ou deserdação previstas nos arts. 1.814 e 1.961 do CC.
No que respeita ao herdeiro legítimo, este sucede por força da lei, mas não sucederá necessariamente, visto que o seu direito hereditário dá-se por exclusão, na falta de um, defere-se a herança ao subseqüente, na ordem do art. 1.829 do CC, podendo ser excluído da sucessão pelo testador. Destaque-se que, no nosso caso, o único herdeiro legítimo que não é necessário é o colateral (art. 1.829/CC).
Conforme destaca Hironaka, o novo Código Civil erigiu o cônjuge à categoria de herdeiro necessário. De modo que, além da meação que lhe cabe por força da dissolução do vínculo conjugal em razão da morte, o cônjuge também terá direito à legítima, ou seja, concorrerá com os demais herdeiros legítimos quanto aos bens exclusivos do falecido. Todavia, em que pese tenha a Constituição Federal de 1988 equiparado a união estável ao casamento (art. 226, § 3º), o companheiro sobrevivente não teve o mesmo tratamento dispensado pelo legislador ao cônjuge supérstite.
2 – A sucessão do companheiro
Conforme já apontado, a CF/88, em seu art. 226, reconheceu a união estável como entidade familiar, coadunando-se assim com uma realidade social constante:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(…)
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
No entanto, o novo Código Civil faz uma injusta distinção entre a sucessão do companheiro e a do cônjuge:
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
Analisando-se o dispositivo citado, são claras as distinções matemáticas impostas pelo legislador à sucessão do companheiro sobrevivente. Assim, concorrendo com filhos comuns, o companheiro terá direito à meação dos bens adquiridos onerosamente na constância da sua união, e mais uma quota-parte destes mesmos bens que serão divididos entre ele e os filhos. Com relação aos bens exclusivos do de cujus, isto é, os bens que ele já possuía antes da união e os bens adquiridos a título gratuito, o companheiro não receberá nada e os bens serão deferidos aos outros herdeiros legítimos.
Primeiramente, é gritante a distinção feita pelo legislador. Enquanto que o cônjuge recebe a sua meação e concorre com os descendentes nos bens exclusivos do falecido, com o companheiro ocorre justamente o oposto.
Tal disposição legislativa vem sendo criticada por muitos doutrinadores em razão da discrepância entre a vontade do constituinte de 1988 e a letra fria do novo Código Civil. Por outro lado, além da distinção citada, é de ver-se que, além de participar na legítima apenas em relação aos bens exclusivos do falecido, o companheiro sobrevivente terá ainda de, na inexistência de descendentes, concorrer com os ascendentes, recebendo se for o caso, a terça parte dos bens. E por fim, a disposição legal que tem sido o alvo de críticas severas: inexistindo descendentes e ascendentes, o companheiro concorrerá com os colaterais até o quarto grau. Nas palavras de Zeno Veloso:
“Nas sociedades contemporâneas, já estão muito esgarçadas, quando não extintas, as relações de afetividade entre parentes colaterais de 4º grau (primos, tios-avós, sobrinhos-netos). (…) E o novo Código Civil brasileiro, que vai começar a vigorar no 3º milênio, resolve que o companheiro sobrevivente, que formou uma família, manteve uma comunidade de vida com o falecido, só vai herdar sozinho, se não existirem descendentes, ascendentes, nem colaterais até o 4º grau do de cujus. Temos de convir. Isto é demais! (…)” (Apud Hironaka, 2003, p. 8)
Note-se também que, além da flagrante discrepância apontada, a interpretação do inciso IV do artigo em questão tem gerado muitas controvérsias. Isto porque o caput do referido dispositivo deixa claro que o companheiro participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. De modo que, pelo rigor da técnica interpretativa, a expressão “terá direito à totalidade da herança” deve ser aplicada em consonância com o caput do artigo, o que acabaria por deferir ao Estado os bens exclusivos do falecido na inexistência de descendentes, ascendentes, nem colaterais sucessíveis.
Alguns doutrinadores, como Gustavo René Nicolau, entendem que o art. 1844 do CC poderia resolver a questão. Para outros, a única solução seria a de o falecido beneficiar o seu companheiro através de testamento, evitando assim a transferência dos bens ao Estado. No entanto, a questão gera muita polêmica e não há ainda consenso com relação à interpretação dos artigos citados.
Resumindo, podemos dizer que o companheiro sobrevivente terá direito: à meação dos bens adquiridos na constância da união estável; concorrerá com descendentes, ascendentes e colaterais até 4º grau, recebendo quotas distintas em cada classe de herdeiros; poderá herdar a totalidade da herança (veja-se supra) na ausência de herdeiros sucessíveis; e terá direito real de habitação enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família (art. 7º, parágrafo único da Lei 9.278/96, tido como não revogado pela Profª. Giselda [2003, p. 7]).
Contudo, além das várias falhas já apontadas, o Código Civil padece de um mal ainda maior. Ocorre que não previu o legislador uma situação muito normal nestes dias em que a união estável se torna uma constante: a existência de filhos comuns e filhos somente do autor da herança na mesma entidade familiar. Tal situação, designada pela Profª. Giselda como “híbrida”, tem tornado ainda mais árdua a tarefa do aplicador do Direito frente a alguns malfadados artigos deste novo Código Civil.
Levando-se em conta as distinções matemáticas impostas pelo legislador à sucessão do companheiro, fica claro ser impossível resolver a questão de maneira justa e, ao mesmo tempo, respeitar a vontade do legislador. Nas palavras de Hironaka:
“Parece mesmo não haver fórmula matemática capaz de harmonizar a proteção dispensada pelo legislador ao convivente sobrevivo (fazendo-o receber o mesmo quinhão dos filhos que tenha tido em comum com o autor da herança) e aos herdeiros exclusivos do falecido (fazendo-os herdar o dobro do quanto dispensado ao convivente que sobreviver)”. (2003, p. 9)
De sorte que os intérpretes têm se esforçado para apresentar uma solução justa e ao mesmo tempo em consonância com a redação do Código; tarefa quase impraticável.
2.1 – Primeira Solução: equiparação de todos os descendentes como sendo filhos comuns
Levando-se em conta esta solução, todos os descendentes, comuns ou não, seriam considerados como se comuns fossem, dividindo-se a herança pelo número de filhos mais um, referente ao companheiro sobrevivente, nos termos ao inciso I do art. 1.790 do CC. No entanto, é mais do que claro que a dicção do artigo citado não comporta tal situação. Se o legislador quis atribuir aos filhos comuns uma quota menor do que a que seria deferida aos filhos exclusivos do autor da herança, não se pode simplesmente ignorar a disposição legal e equiparar todos os descendentes como se fossem filhos de ambos os conviventes. Além disso, o convivente estaria em vantagem em relação aos demais herdeiros, o que também não foi a vontade do legislador. É uma solução muito simplista, no dizer de Hironaka. (2003, p. 10)
2.2 – Segunda Solução: equiparação de todos os descendentes como sendo filhos somente do autor da herança
Na mesma tentativa que a proposta anterior, porém pela via oposta (utilizando-se apenas do inciso II do art. 1.790), a solução que se apresenta é, de igual maneira, inócua. Da mesma forma como não se pode admitir que todos os filhos, comuns e exclusivos do falecido, sejam considerados como comuns, também não é possível aceitar a equiparação de todos eles como se fossem filhos exclusivos do falecido. Esta solução acabaria por prejudicar o companheiro, privilegiando os filhos exclusivos do autor da herança, e estaria, da mesma maneira, em dissonância com a vontade do legislador.
2.3 – Terceira Solução: fusão entre os incisos I e II do art. 1.790, atribuindo-se uma quota e meia ao cônjuge
A proposta que se apresenta consiste na soma do número de filhos comuns e de filhos exclusivos do de cujus, mais um e meio referente ao companheiro, em razão da quota que lhe caberia na concorrência com os descendentes comuns e da meia quota que lhe caberia na concorrência com os filhos exclusivos do autor da herança. Dividir-se-ia a herança pelo número obtido de tal soma, distribuindo-se quotas iguais aos filhos e uma quota e meia ao convivente. O que atenderia, conforme Hironaka, o comando do art. 1.834 do CC (que determina que descendentes da mesma classe tenham os mesmos direitos relativamente à herança de seu ascendente) e dos incisos I e II do art. 1.790 do CC. (2003, p. 10)
No entanto, essa proposta não resolveria o problema, como poderia parecer a priori, de forma equânime. Veja-se: aplicada tal solução ao caso, o cônjuge herdaria mais do que todos os herdeiros, e também mais do que nas outras duas hipóteses levantas. Da análise do art. 1.790 do CC é fácil concluir que, em nenhum momento, quis o legislador atribuir quota maior ao companheiro sobrevivente do que a que seria atribuída a qualquer outro herdeiro, atribuindo ao convivente, no máximo, quota igual a dos filhos comuns.
De outro lado, os filhos exclusivos do autor da herança também estariam prejudicados porque receberiam quota igual a dos filhos comuns, o que claramente também não atenderia o tratamento diferenciado que teve o legislador em relação a eles.
2.4 – Quarta Solução: fusão entre os incisos I e II do art. 1.790, subdividindo-se a herança segundo a quantidade de herdeiros de cada grupo
Por esta via, a herança seria dividida proporcionalmente em duas sub-heranças, uma para os filhos comuns e outra para os filhos exclusivos do falecido, de acordo com o número de filhos de cada grupo. O companheiro então herdaria em cada sub-herança a parte que lhe caberia conforme o inciso I ou II do art. 1.790 do CC, e bem assim quanto aos filhos de cada grupo. Desta forma, o convivente herdaria a soma das duas sub-heranças. Porém, agindo assim, estar-se-ia atribuindo aos filhos de um grupo quota maior do que ao outro, o que estaria em desacordo com o art. 1.834 do CC: “os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes.” Conforme ressalta Hironaka, o dispositivo citado tem caráter constitucional, de modo que, a solução em apreço não só estaria em discordância com a vontade do legislador mas também com a Constituição Federal. (2002, p. 10)
3 – A sucessão do cônjuge
Segundo o que já foi apontado, o novo Código Civil tornou o cônjuge herdeiro legítimo. Significa dizer que, além do direito de meação que lhe cabe por força da dissolução do vínculo conjugal em razão da morte, o cônjuge sobrevivente também vai participar da legítima, em concorrência com descendentes, respeitadas algumas condições e em concorrência com os ascendentes, desta vez sem nenhuma condição:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.”
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer alguns pontos do inciso I, tendo em vista que o legislador impôs algumas regras para a sucessão do cônjuge, que nem sempre concorrerá com os descendentes sobrevivos.
Se o regime de bens do casamento do cônjuge com o falecido era o da comunhão universal de bens, aquele não participará da legítima, recebendo apenas a sua meação. Ressalte-se que o direito de meação é matéria do direito de família; no entanto, é importante destacá-lo aqui tendo em vista que a causa da meação é a mesma causa da herança, ou seja, a morte do titular dos direitos. A exclusa do cônjuge casado no regime de comunhão universal se dá por uma causa simples: ele já receberá metade de todos os bens, seria no mínimo injusto deixá-lo voltar a suceder nestes mesmos bens, concorrendo com os filhos na metade que caberia ao de cujus.
No que toca ao regime de separação obrigatória, ou seja, o regime que disciplina o casamento daquelas pessoas: a) que contraírem casamento com inobservância de causas suspensivas; b) maiores de sessenta anos; e c) daqueles que dependerem, para casar, de suprimento judicial; o cônjuge sobrevivente nada receberá. Tal disposição legal justifica-se pelo fato de que, se o legislador quis impor o regime da incomunicabilidade dos bens aos casos citados, não poderia ele vir agora e permitir tal comunicabilidade.
Portanto, o cônjuge sobrevivo apenas participará da legítima quando o regime de bens era o da comunhão parcial e quando tenha o falecido deixado bens particulares. Se não existem bens particulares, então só existem bens comuns. Existindo apenas bens comuns, o cônjuge já receberá metade desses bens, de modo que, a mesma causa que justificou a exclusão do cônjuge casado no regime de comunhão universal justifica a exclusão neste caso. Se o cônjuge já receberá metade de todos os bens, é medida de justiça não deixá-lo concorrer com os filhos na outra metade destes mesmos bens. Os bens particulares são:
“Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.”
Por outro lado, na concorrência com os ascendentes não impôs o legislador nenhuma condição para a sucessão do cônjuge. De modo que este receberá a sua meação e concorrerá com os ascendentes nos bens particulares e na meação que caberia ao de cujus.
Importante destacar também o que dispõe o art. 1.830 do CC:
“Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.”
No entendimento de Nicolau, a prova de que a conivência tornara-se impossível sem culpa do cônjuge sobrevivente é dificílima: (…) dificílima porque para provar que a separação de fato decorreu da culpa do ‘de cujus’ o Juiz deverá ouvi-lo o que é infactível. (2003, p. 5)
Contudo, o dispositivo que mais tem causado alvoroço é o art. 1.832 do CC:
“Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.”
Dividindo-se a herança entre os descendentes comuns (filhos, netos ou bisnetos) e mais a parte do cônjuge, este não poderá receber quota inferior à quarta parte da totalidade dos bens. De modo que, se na divisão entre o cônjuge e os descendentes com quem concorre, for atribuído àquele quinhão menor do que a quarta parte do acervo, serão então retirados os vinte e cinco por cento a que tem direito, dividindo-se os outros setenta e cinco por cento por tantos quantos forem os descendentes.
De outra forma, se os descendentes forem apenas do de cujus, tal regra não prevalece, e a herança será repartida igualmente entre o cônjuge e todos os outros herdeiros.
O problema que se apresenta tem a mesma origem daquele antes discutido acerca da sucessão do companheiro. Mais uma vez, não previu o legislador uma situação muito normal em nossos dias: a existência de filhos comuns e filhos somente do autor da herança na mesma entidade familiar. Também designada por Hironaka como “híbrida”, a solução para este caso, frente à reserva legal da quarta parte ao cônjuge sobrevivo em concorrência com os filhos comuns, é também uma árdua tarefa para os aplicadores Direito.
Do mesmo modo como se tem tentado solucionar o problema anterior, este também apresenta várias hipóteses.
3.1 – Primeira Solução: equiparação de todos os descendentes como se fossem comuns
Aplicando-se esta solução, reservar-se-ia a quarta parte ao cônjuge, como quis o legislador, mas restariam prejudicados os herdeiros exclusivos do autor da herança, visto que na concorrência com estes não há a reserva dos vinte e cinco por cento ao cônjuge. Neste caso, todos os filhos receberiam a mesma quota, o cônjuge receberia a sua quarta parte, mas restaria desrespeitada a vontade do legislador.
3.2 – Segunda Solução: equiparação de todos os descendentes como se fossem todos filhos exclusivos do de cujus
Ao contrário da primeira solução, neste caso não se reservaria a quarta parte ao cônjuge e todos herdariam a mesma quota. Hironaka refuta tal proposta:
“Tratá-los, aos descendentes todos, como se fossem descendentes exclusivos do falecido representa solução que fecha os olhos a uma verdade natural (descendentes por laços biológicos) ou civil (descendentes em razão de uma adoção verificada) que é a única verdade que o legislador tomou como autorizadora de uma maior proteção ao cônjuge que sobreviver.”
De igual modo, não se atende em nada a vontade legislativa.
3.3 – Terceira Solução: subdivisão da herança segundo a quantidade de descendentes de cada grupo
Por esta via, a herança seria dividida proporcionalmente em duas sub-heranças, uma para os filhos comuns e outra para os filhos exclusivos do falecido, de acordo com o número de filhos de cada grupo. O cônjuge então herdaria na sub-herança correspondente aos filhos exclusivos do falecido uma quota igual à deles, atendendo-se ao art. 1.832, 1ª parte, do CC. Na sub-herança que caberia aos filhos comuns, o acervo seria dividido pelo número de filhos mais um referente ao cônjuge e, caso restasse a este último uma quota menor do que a quarta parte (desta sub-herança) reservar-se-iam, então, os vinte e cinco por cento que lhe cabem por força do art. 1.832 do CC, e dividir-se-ia os outros setenta e cinco por cento entre os descendentes. Desta forma, o convivente herdaria a soma das duas sub-heranças.
Todavia, agindo assim, os filhos de um grupo herdariam quota maior do que a deferida ao outro grupo. Mais uma vez, o preceito constitucional do art. 1.834 do CC não seria atendido: “os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes”, e estaria ainda em discordância com a vontade do legislador.
4 – Considerações finais
Da análise das questões apontadas pode-se perceber que, inobstante ter o legislador tentado beneficiar o companheiro sobrevivente, o fez porém, em lugar distinto no Código. Como apontam os doutrinadores, o melhor seria ter colocado a sucessão do companheiro juntamente com a do cônjuge, no capítulo da vocação hereditária, visto que o convivente sobrevivo é também herdeiro (c.f. Venosa, 2005, p. 156). De outro lado, deixando de lado o “local” em que se encontra o cônjuge nos direito das sucessões, a questão que mais importa é o tratamento que lhe foi dispensado. Perece-nos que a melhor solução que o legislador poderia ter dado ao problema era ter equiparado a sucessão dos conviventes à sucessão daquelas pessoas unidas pelos laços matrimoniais.
Ora, se a Carta Magna quis fazê-lo, porque o legislador ordinário não o fez? É uma questão sem resposta. Além de todos os cálculos matemáticos que impôs, o legislador se esqueceu de uma questão muito importante, ou seja, a coexistência de filhos descendentes de um só dos companheiros e dos dois conviventes na mesma família.
De outro lado, a sucessão do cônjuge, agora também herdeiro necessário, sofre dos mesmos vícios que a participação do companheiro na herança. Mais uma vez a hipótese híbrida não foi prevista.
Verificando-se as soluções para esses dois problemas que, até agora, a doutrina pôde construir, torna-se fácil perceber que nenhuma delas consegue respeitar a vontade legislativa e os preceitos constitucionais, e, ao mesmo tempo, decidir a questão de forma justa.
A boa intenção do legislador restou parcialmente frustrada e a tarefa para os intérpretes do direito mais árdua. De modo que o que resta aos operadores do Direito é que, enquanto nenhuma reforma for feita nos dispositivos que foram estudados, esperar que a jurisprudência possa amenizar os problemas apresentados, solucinando-os da forma mais justa possível. O que não será fácil.
5 – Referências Bibliográficas
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. DIREITO DAS SUCESSÕES BRASILEIRO: DISPOSIÇÕES GERAIS E SUCESSÃO LEGÍTIMA – Destaque para dois pontos de irrealização da experiência jurídica à face da previsão contida no Novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 65, mai. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4093>. Acesso em: 28.mai. 2003.
NICOLAU, Gustavo René. SUCESSÃO LEGÍTIMA NO NOVO CÓDIGO CIVIL. São Paulo: 2003. Disponível em:
VENOSA, Silvio de Salvo. DIREITO CIVIL – Vol. VII: DIREITO DAS SUCESSÕES. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005.
Fonte: http://www.direitonet.com.br/textos/x/12/63/1263/DN_Sucessao_do_conjuge_e_do_companheiro_a_luz_do_novo_codigo_civil.doc
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