quinta-feira, 10 de abril de 2008

A convenção da OIT e a garantia de emprego.

No dia 14 de fevereiro deste ano, o presidente da República encaminhou ao Congresso Nacional a Mensagem nº 59, contendo o texto da Convenção nº 158, de 1982, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que discorre acerca do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador.
Para entender melhor o que isso significa, faz-se necessária uma breve digressão. Depois da Primeira Guerra Mundial, o direito do trabalho seguiu a tendência do direito previdenciário, de expansão e internacionalização com o objetivo de diminuir ou minimizar as diferenças sociais e dificultar uma concorrência econômica entre os países. A medida visava justamente impedir a segunda grande guerra, o que efetivamente não aconteceu.
Neste sentido, no ano de 1919, por força do Tratado de Versalhes, foi criada a OIT, entidade que produz deliberações através de representantes dos três segmentos sociais - governo, empregados e empregadores.
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 1944, com a Conferência de Filadélfia, o campo de atuação da OIT foi bastante ampliado. A normatização procedida pela OIT se concretiza em recomendações ou convenções.
As primeiras, como diz o nome, não são obrigatórias, enquanto que as segundas visam introduzir normas obrigacionais para os Estados-membros que porventura as ratifiquem.
As convenções internacionais são acordos firmados por várias partes e que estão abertos à adesão dos países-membros da OIT a qualquer tempo. É o que permite que uma norma editada em 1982 passe a ter aplicabilidade no país nos dias de hoje ou, ainda, posteriormente.
No Brasil, porém, para que uma convenção internacional passe a vigorar, além de sua ratificação pelo Congresso Nacional, é necessário que seu texto seja publicado em um decreto do presidente da República no Diário Oficial da União.
E é exatamente isto que pretende o governo federal ao encaminhar o texto da Convenção nº 158 ao Congresso Nacional, para que seja ratificado e, posteriormente, publicado, a fim de vigorar no país.
A referida norma prevê que não se dará o término da relação de emprego sem que, para isso, exista uma causa justificada relacionada com a capacidade ou comportamento do empregado ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço (motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos).
A norma estabelece ainda que o empregado tem o direito de recorrer da dispensa, se a considerar injusta, perante um órgão imparcial - a Justiça do Trabalho, por exemplo -, o qual, se lhe der razão, poderá propor sua readmissão ou arbitrar uma indenização.
Vale enfatizar que a convenção não proíbe a demissão e nem pressupõe a estabilidade definitiva dos empregados na empresa. Ela apenas exige que rescisão do contrato de trabalho seja arrazoada.
A Convenção nº 158 da OIT foi ratificada por 34 dos 181 países membros da OIT, dentre os quais se destacam Austrália, Espanha, Portugal e Suécia. Fez, porém, mais sucesso entre países pobres e subdesenvolvidos, como Camarões, Etiópia e República Democrática do Congo.
Não obstante, Alemanha, Itália, França, Inglaterra e Japão têm normas próprias que impedem a mera dispensa sem justa causa, alguns de forma semelhante à convenção da OIT - como Itália e França - e outros de forma mais radical - como o Japão.
Nos Estados Unidos, a liberdade do empregador dispensar os empregados é limitada pela força dos sindicatos locais.
Além de ser uma tendência mundial, a sistemática que propõe a norma internacional não é de todo conflitante com o ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista o disposto no artigo 7º, inciso I da Constituição Federal, que veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Mesmo assim, a norma é intensamente criticada por economistas e empresários, que vêem no texto da Convenção nº 158 um retrocesso que engessaria as relações trabalhistas, além de incentivar a informalidade.
De fato, o temor desta parcela da população não é sem motivo. Poucos se lembram, mas a Convenção nº 158 da OIT já vigorou no Brasil. Foi ratificada em 5 de janeiro de 1995 e o decreto que a introduziu no sistema jurídico brasileiro, publicado em 10 de abril de 1996. Sete meses depois, em 20 de novembro de 1996, a norma foi denunciada à OIT, deixando de ter aplicação a partir de 20 de novembro de 1997, conforme disciplina o Decreto nº 2.100, de 1996.
A denúncia da convenção e seu conseqüente afastamento do ordenamento jurídico brasileiro deram-se justamente pela perigosa interpretação de que os empregados não mais poderiam ser dispensados. Caso isto ocorresse, determinavam alguns juízes à época, deveriam tais trabalhadores ser reintegrados às funções que exerciam na empresa.
Ocorre que a reintegração é uma das figuras mais odiosas no direito do trabalho. Ela promove a convivência forçada do empregado com aqueles que já manifestaram o intuito de não tolerá-lo.
A medida é prejudicial à empresa, que certamente não confia mais no trabalhador, e ao próprio, que tampouco conseguirá desenvolver seu trabalho tranqüilamente, como deveria.
Por outro lado, considerar que a multa de 40% sobre os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) indeniza a dispensa sem justa causa do empregado é tornar letra morta a norma internacional no país, posto que seria praticamente ignorada.
O texto da Convenção nº 158 da OIT é amplo, genérico e permite várias interpretações, justamente para que fosse aprovado por muitos países. Está longe do ideal, portanto, sua aplicação sem qualquer complemento.
Desta forma, busca-se uma solução intermediária para a celeuma. Espera-se que a intenção do governo seja justamente fomentar a discussão.
(*)Adriano Cury Borges é advogado pós-graduado em direito do trabalho do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados
Fonte: Valor Econômico, por Adriano Cury Borges (*), 10.04.2008

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