A versão final do Projeto de Lei (PL) 1.987/07, que propõe a "consolidação da legislação material trabalhista" deve ser apresentada ainda neste mês de junho na Câmara Federal. Autor da proposta, o deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP) apresentou a primeira versão do texto em setembro do ano passado. O Grupo de Trabalho para Consolidação das Leis (GTCL), constituído com a tarefa de sistematizar as leis já existentes desse e de outros temas, ainda não se pronunciou oficialmente sobre o conteúdo do texto.
A proposta inicial, contudo, suscita críticas diversas. Sindicalistas e especialistas vêem riscos de perda de direitos embutidos na iniciativa, classificada por alguns deles como de perfil "liberal". O projeto, admite o seu propositor, tem ainda "algumas lacunas" e "outros erros". "Nós estamos melhorando, ouvindo a sociedade e os operadores do Direito, principalmente da área trabalhista", diz Cândido Vaccarezza, coordenador do GTCL.
Criado em março de 2007, o Grupo de Trabalho é formado por 20 deputados. Antonio Palocci (PT-SP), Ciro Gomes (PSB-CE), José Carlos Aleluia (DEM-BA), Miro Teixeira (PDT-RJ), Sandro Mabel (PR-GO), Nelson Marquezelli (PTB-SP), José Mentor (PT-SP) e Paulo Maluf (PP-SP) estão entre os componentes. Para colocar em prática o processo geral de consolidação das leis, as normas foram divididas em 21 áreas temáticas. A trabalhista foi a primeira escolhida.
Como se trata de uma proposta de consolidação de leis já existentes, a tramitação do PL 1.987/2007 é diferenciada. Paralelamente à avaliação no GTCL, o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) está encarregado de redigir um relatório sobre a matéria que será encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Os pareceres que emergirem tanto do Grupo de Trabalho como da CCJ serão levados ao Plenário da Casa. Se aprovada, a consolidação sugerida pelos deputados será encaminhada ao Senado.
Simplificação - "A consolidação das leis tem como objetivo simplificar a legislação. Não é modernizar. Vamos dar segurança jurídica para as pessoas entenderem o que é legal e o que não é", explica o propositor Cândido Vaccarezza. Cotado entre os pares como um dos principais articuladores políticos da Câmara, o petista foi coordenador da campanha exitosa que garantiu a Arlindo Chinaglia (PT-SP), ainda no início de 2007, o posto de presidente da Câmara.
O atual papel desempenhado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT - Decreto-Lei 5.452/43) ocupa o centro da polêmica. Marco regulatório da legislação trabalhista, a CLT foi criada pelo governo Getúlio Vargas em 1943. Originalmente com 922 artigos, já recebeu 200 alterações desde o início de sua vigência. O conjunto de leis atravessou quatro constituições.
Na versão inicial do PL, foram avaliadas 206 leis referentes à CLT. A proposta revoga 195 delas. O autor do projeto garante que a consolidação significa um avanço para os trabalhadores. "Se tivesse mesmo a perda [de direitos], o Supremo [Tribunal Federal] não aceitaria, porque isso está definido em lei", diz. Segundo ele, a CLT possui 220 leis extravagantes.
"É uma confusão. Se um trabalhador lê a CLT, ele não sabe o que é direito e o que é dever", assinala. Ele lembra ainda que o Brasil apresenta mais de dois milhões de causas trabalhistas por ano. "A maioria desses enfrentamentos não é coordenada pelos sindicatos. É um enfrentamento individual. O trabalhador não tem nem dinheiro para bancar a disputa com grupos econômicos".
O petista admite que há "receio" sobre as mudanças. Ele entende, porém, que posições contrárias à consolidação estão fundadas em "argumento de direita" e acusa os críticos de ausência de conhecimento "legislativo" e "jurídico". "Infelizmente alguns sindicalistas, de forma ingênua, estão embarcando no canto da sereia e representando pensamentos retrógrados".
Falta de diálogo - As centrais sindicais afirmam que não foram consultadas durante a formulação do PL. O projeto "surpreendeu" até a Central Única dos Trabalhadores (CUT), maior central do país e tradicional aliada do governo federal. "Não teve diálogo com nenhuma representação de trabalhadores", revela Quintino Severo, secretário-geral da entidade. "Não é uma atitude democrática por parte dele [Cândido Vaccarezza], sabendo que a CUT sempre teve relação histórica com o PT. Um deputado tomar uma atitude dessas nos deixa indignados".
O dirigente da CUT afirma que o próprio conteúdo do projeto inicial já "flexibiliza direitos". Ele aponta dois problemas principais. Segundo o sindicalista, a proposta abriria a possibilidade de parcelar as férias em mais de duas vezes. Além disso, o PL regulamenta a negociação direta entre o trabalhador e o empregado no caso do banco de horas, sem a necessidade de um acordo coletivo, o que excluiria a participação dos sindicatos. "Não é um projeto técnico. É um projeto que altera politicamente a legislação no Brasil".
Outro exemplo apontado como um possível retrocesso é o revigoramento da Lei 4923/65, que admite a redução dos salários em conjunturas econômicas "desfavoráveis". A Constituição determina que os salários só podem ser reduzidos por meio de convenção e acordo coletivo. Apesar de estar em conflito com a Constituição, a lei ainda vigora formalmente porque não foi derrubada por ação direta de inconstitucionalidade (ADI).
A CUT solicitou uma audiência com a Secretaria-Geral da Presidência da República no início de maio para tratar do tema. Ainda não houve resposta. A entidade também formulou uma posição oficial para a bancada do governo e do PT. "A bancada e o partido têm que ter responsabilidades sobre os seus parlamentares", alerta Quintino Severo. A CUT, porém, ainda tem "esperança" de que o PL não represente a visão das bancadas.
Já a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) exige o arquivamento do projeto. "Sob o pretexto de consolidar a legislação, o PL ataca direitos dos trabalhadores e ressuscita normas que haviam caducado ou foram abolidas", afirma Luiz Carlos Prates, o "Mancha", da coordenação nacional da entidade. Para ele, o projeto volta a dar poderes para o Estado intervir nos sindicatos, mantém o imposto sindical e "legaliza" a terceirização. As mudanças, classifica "Mancha", estão "à direita" do que tem sido jurisprudência. "É uma proposta que reinicia a reforma trabalhista".
Pressão política - Cândido Vaccarezza confirma que as centrais não participaram da elaboração inicial do PL. "Isso não é assunto para central ou Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) assessorarem", diz. "Eles podem fazer o que eles estão fazendo: depois de pronto, criticar de um lado, criticar de outro, para a gente chegar num determinado comum". Entre os principais colaboradores do projeto, o deputado menciona o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Antonio Toffoli, e o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra Martins Filho.
No entanto, a pressão política surtiu resultados. Algumas alterações já foram aceitas. Até o nome inicial do projeto, "Nova CLT", foi modificado. "Vamos chamar de CLT mesmo", explica Vaccarezza. "Não há o sentido de modificação do que está em vigor", reafirma. O deputado também garante que tanto a Lei 4923/65, sobre a redução dos salários, como a polêmica em torno do banco de horas serão alteradas na nova versão.
Contudo, o deputado adianta que não vai recuar sobre a questão das férias. "Perda de direitos seria se eu dissesse que as férias, em vez de serem de 30 dias, seriam de 15 dias. O que está dizendo lá é que pode, numa negociação entre trabalhadores e empregadores, parcelar as férias", afirma.
Conceitos liberais - A consolidação está prevista na Constituição Federal de 1988. A Carta indica que isso deveria ocorrer no prazo de dez anos. Em 1997, a Câmara criou um grupo de trabalho. Na época, os deputados chegaram a formular cinco projetos de lei para consolidar normas sobre eleições, meio ambiente, crédito rural, educação e mineração. Nenhum deles, porém, foi aprovado.
O Brasil tem hoje 181.318 normas, entre leis, decretos e medidas provisórias, apenas no âmbito federal, segundo um levantamento da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República.
Para o juiz trabalhista Cláudio José Montesso, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), ao enfrentar o problema, o projeto incorpora conceitos de perfil "liberal". Ele cita como exemplo as "noções de enfraquecimento da negociação coletiva", que estariam presentes no PL. "Essas medidas podem levar a que o projeto seja considerado de fato uma norma que debilita as relações de trabalho".
A idéia da consolidação "não é absurda nem é uma bobagem", opina Montesso. Mas a "urgência" da proposta, para ele, é "descabida". Segundo o magistrado, seria mais prudente fortalecer primeiro o processo do trabalho. "O processo do trabalho acabou ficando para trás no que diz respeito à evolução do processo civil", explica. "Quem está cuidando disso no âmbito da Câmara parece pouco entender sobre a evolução do direito do trabalho".
Fonte: Boletim Anamatra / Repórter Brasil, 03.06.2008
quarta-feira, 4 de junho de 2008
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