No novo cenário do mundo globalizado, em que a competição entre as empresas é cada vez mais acirrada, a redução dos custos da mão-de-obra tornou-se uma necessidade premente nas organizações privadas. Isso acarretou uma corrida na contratação de estagiários pelas empresas por ser uma opção econômica mais viável, mesmo com os riscos de reclamações trabalhistas, por prever uma jornada de oito horas diárias e não ter os custos e encargos sociais que oneram a produção e a folha de pagamento dos empregados, como horas extras, férias, aviso prévio, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, adicional noturno, gratificação natalidade e licença maternidade.
O crescente número de estagiários contratados pelas organizações para desempenhar funções típicas de empregados, em verdadeiro desvio de atividades, impôs a necessidade de uma nova lei que limitasse a utilização de estagiários dependendo do número de empregados efetivos da empresa (artigo 17), o que a legislação anterior não estabelecia. Essa limitação não se aplica aos estagiários de ensino superior e de ensino médio profissional. Em muitos desses casos, o estágio era um subemprego disfarçado, como indicam as crescentes demandas que aportam na Justiça do Trabalho, com pedido de vínculo empregatício, em razão do desvirtuamento do estágio: não há compatibilidade entre as atividades executadas pelo estagiário e o curso por ele freqüentado, exigência da lei antiga e reforçada na nova lei.
A iniciativa da nova lei de estágio visa minimizar a exploração da mão-de-obra de milhares de estudantes que, na vigência da lei antiga, só tinham direito ao seguro contra acidentes pessoais, pois até o pagamento da bolsa era facultativa. A nova lei estende alguns direitos aos estagiários: limitação da jornada de atividade a quatro ou seis horas diárias, dependendo da modalidade de educação; concessão compulsória de auxílio-transporte e o pagamento obrigatório de uma bolsa ou outra forma de contraprestação aos estágios não obrigatórios (aquele desenvolvido como atividade opcional); recesso remunerado de 30 dias a ser gozado, preferencialmente, durante as férias escolares para os estágios com duração igual ou superior a um ano; dias de recesso em número proporcional, nos casos de estágio com duração inferior a um ano; e aplicação da legislação relacionada à saúde e à segurança no trabalho.
Antes da edição da Lei 11.788, de 25/09/2008, algumas empresas já estendiam, por liberalidade, alguns direitos dos empregados aos estudantes com contrato de estágio, tais como férias anuais de 30 dias, gratificação de Natal, plano de saúde, vale-alimentação, faltas abonadas nas mesmas hipóteses previstas na Consolidação das Leis Trabalhistas, intervalo para refeição e descanso e outros.
Agora, a nova lei (parágrafo 1º, artigo 12) procurou estimular as empresas que oferecem estágio a conceder benefícios relacionados a transporte, alimentação e saúde, entre outros, com objetivo de melhorar a condição social do estudante, sem o temor da caracterização do vínculo empregatício.
A obrigatoriedade do pagamento de uma contraprestação, no caso de estágio não-obrigatório, é um fator importante, pois o estudante pode utilizar o valor da bolsa para custear as mensalidades escolares e os livros necessários ao seu aprendizado.
No caso de estágio obrigatório (determinado pelas diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso), o pagamento da bolsa ou outra forma de contraprestação e do auxílio-transporte é uma liberalidade da unidade concedente do estágio. Da mesma forma, no caso de estágio obrigatório, a responsabilidade pela contratação do seguro de acidentes pessoais poderá, alternativamente, ser assumida pela instituição de ensino (parágrafo único do artigo 9º). Se o estágio é não-obrigatório, caberá à unidade concedente do estágio contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso (artigo 9º, IV).
Infelizmente, a nova lei não esclarece se o estagiário, no caso de a unidade concedente do estágio não lhe conceder o recesso a quem tem direito, pode ser indenizado pelo valor correspondente. Cremos que sim, pois se o estudante não usufruiu o recesso, por culpa da unidade concedente, tem o direito de substituir a fruição pela indenização. Para evitar discussões sobre o cabimento ou não dessa indenização, convém o termo de compromisso regulamentar os pormenores do direito ao recesso, dentro dos limites da lei, inclusive no caso de desligamento do estudante antes do prazo previsto no contrato de estágio.
Quanto ao auxílio-transporte, a lei é igualmente omissa sobre o valor que deve ser pago, se deve cobrir integralmente os gastos do estudante com transporte no trajeto residência-empresa e empresa-escola (ou residência), ou se o estudante deve arcar com uma parte desses gastos, como ocorre com o empregado que recebe vale-transporte. Fica, assim, a critério das partes (estudante, unidade concedente do estágio e a instituição de ensino) estipular no termo de compromisso o valor do auxílio-transporte a ser pago ao estagiário ou se este receberá vale-transporte ou bilhetes para uso em metrô. Como a lei do estágio não faz alusão à lei do vale-transporte, entendemos que a empresa que concedê-lo não poderá se valer dos benefícios fiscais lá previstos.
A legislação anterior não estabelecia carga horária diária para o estágio, limitando-se a dizer que esta deveria ser compatível com o horário escolar do estudante. No silêncio da lei, tornou-se prática corrente entre as empresas, agentes de integração, estudantes de ensino superior e entidades de ensino a jornada de atividade de oito horas. Dava-se prioridade ao aprendizado prático junto à unidade concedente do estágio, com a disponibilização do estudante para acompanhar toda a rotina de produção ou de trabalho na organização empresarial, em detrimento da formação intelectual na universidade. Isto porque, com a jornada de atividade de oito horas, o estudante fica com as horas do dia comprometidas, dispondo de pouco ou nenhum tempo para dedicar-se aos estudos durante a semana. O estágio em período integral, embora pareça mais atraente por proporcionar uma bolsa de valor superior, pode ser menos interessante a longo prazo, pois afeta o rendimento escolar do estudante e reflete nas estatísticas que indicam deficiência na formação escolar.
Antes mesmo da edição da nova lei de estágio, o Conselho Nacional de Educação já era contrário ao estágio em tempo integral para os estudantes, conforme se vê da Resolução CNE/CEB nº 1, de 21/01/2004, que estabelece diretrizes nacionais para a organização e a realização de estágio de alunos da educação profissional e do ensino médio, inclusive nas modalidades de educação especial e de educação de jovens e adultos. Essa resolução prevê que a carga horária do estágio profissional supervisionado não poderá exceder a jornada diária de seis horas, perfazendo 30 horas semanais (artigo 7º, parágrafo 1º) para aluno do ensino superior.
O artigo 10 da nova lei de estágio prevê jornada de atividade de quatro horas diárias e 20 horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos, e de seis horas diárias e 30 mensais, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular.
No caso de estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, poderá ter jornada de até 40 horas semanais, desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino (artigo 10, § 1º). Nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será reduzida pelo menos à metade, conforme estipulado no termo de compromisso (artigo 10, § 2º).
A legislação relacionada à saúde e à segurança no trabalho também é aplicável aos estagiários (artigo 14), cabendo à unidade concedente do estágio cumprir as normas de higiene, medicina e segurança do trabalho para evitar danos à saúde física e mental dos trabalhadores e de todos os que prestam serviços em suas dependências, inclusive estagiários e terceiros, sob pena de responder civilmente pelos danos causados.
O estágio implica uma relação triangular entre a instituição de ensino, o estudante e a unidade concedente do estágio (empresa que recebe o estudante). A realização do estágio depende da celebração do termo de compromisso, o qual deve ser firmado por escrito, entre o estagiário, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino, onde o estudante esteja matriculado e com freqüência efetiva. O termo de compromisso, que faz nascer a relação de estágio, tem natureza de ajuste do pacto civil. O termo de compromisso de estágio deverá estabelecer as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar (artigo 7º, I); o seguro de acidentes pessoais; valor da bolsa e do auxílio-transporte para o caso de estágio não-obrigatório; duração do estágio; época da fruição do recesso; indicação do funcionário da empresa que irá orientar e supervisionar o estudante etc... Podem ser previstos outros benefícios como vale-alimentação, plano de saúde etc.
Os estagiários podem ser incluídos como segurados facultativos, sendo que o pagamento da contribuição previdenciária é de responsabilidade exclusiva do estudante estagiário.
Os requisitos legais para realização do estágio estão estabelecidos na nova lei, não criando esta relação jurídica vínculo empregatício de qualquer natureza (artigo 3º caput). Não atendidos os requisitos legais para a realização do estágio, estará caracterizada a relação de emprego para todos os efeitos legais, conforme dispõe o artigo 3º, parágrafo 2º e enseja a aplicação de punição a unidade concedente do estágio, no caso de reincidência na irregularidade (impedimento de receber estagiário por dois anos).
O legislador buscou valorizar o ensino em detrimento das garantias trabalhistas, ao descaracterizar o estágio como emprego. As empresas contribuem para a formação do estudante, ajudando-o a se preparar para se inserir no exigente mercado de trabalho, porque o estágio supervisionado acaba sendo uma excelente oportunidade para o estudante ingressar no mundo do trabalho e ser contratado como empregado.
A nova lei também limita o contrato de estágio ao prazo máximo de dois anos de duração em relação a cada unidade concedente, salvo se se tratar de estagiário portador de deficiência (artigo 11). Com essa limitação, a lei impôs o rodízio forçado das atividades do estagiário, obrigando-o a buscar outras oportunidades de estágio em outras organizações, de modo a enriquecer a sua experiência prática.
O lado bom dessa medida é que evita que o estagiário permaneça executando tarefas repetitivas que pouco acrescentem ao seu processo educativo de formação para o trabalho, apenas em troca de uma bolsa com valor atraente, mas infinitamente menor do que o salário de um trabalhador na mesma organização e que faz as mesmas tarefas.
Exige-se que a unidade concedente do estágio esteja devidamente preparada para receber o estagiário e a assumir a sua responsabilidade na formação educacional, mediante o cumprimento das obrigações previstas no termo de compromisso; oferta de instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural; indicação de funcionário do quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até dez estagiários simultaneamente; envio à instituição de ensino, com periodicidade mínima de seis meses, relatório de atividades, com vista obrigatória ao estagiário (artigo 9º).
As unidades concedentes de estágio devem manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio e entregar ao estagiário, por ocasião do seu desligamento, termo de realização do estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho (artigo 9º, V e VI).
A lei assegura às pessoas portadoras de deficiência o percentual de 10% das vagas oferecidas pela parte concedente do estágio (artigo 17, § 5º).
Por fim, em relação à aplicação das novas regras legais aos contratos de estágio, firmados anteriormente à vigência da nova lei, a questão é polêmica e só será dirimida pelos Tribunais do Trabalho. Contudo, o artigo 18 da Lei 11.788, de 25/09/2008, parece indicar que os contratos firmados anteriormente a sua vigência não precisam ser ajustados às suas disposições, já que prevê que “a prorrogação dos estágios contratados antes do início da vigência desta legislação apenas poderá ocorrer se ajustada às suas disposições”.
Fonte: Última Instância, por Aparecida Tokumi Hashimoto (Advogada sócia do escritório Granadeiro Guimarães Advogados), 20.10.2008