Não há dúvida de que a legislação trabalhista brasileira, cuja base é do longínquo ano de 1943, há muito necessita de atualização. As propostas de reforma na lei trabalhista foram levadas à discussão, no dia 17 de junho, pelo ministro de Assuntos Estratégicos Mangabeira Unger em uma audiência na Comissão de Trabalho de Administração e Serviço Público da Câmara de Deputados.
O ministro Mangabeira Unger, professor licenciado da Universidade de Harvard, traz, por conta da sua experiência de muitos anos nos Estados Unidos, uma nova visão sobre o tema. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso foi apresentado um projeto de lei estabelecendo que valeria o negociado sobre o legislado para assuntos trabalhistas.
Mas, como acabou se confirmando, tal tipo de proposição era, na época, prematura. O Brasil não estava amadurecido para tamanha mudança. Além disso, a proposta não veio acompanhada de uma compensação para a radical alteração que estava sendo proposta - e essa seria a razão principal para que o projeto fosse rechaçado. Somente uma parte seria, em tese, prejudicada: o trabalhador.
Muito mudou desde então, inclusive a própria situação do Brasil no cenário econômico mundial. Os indicadores econômicos invejáveis de hoje não nos fazem mentir. O ápice foi o Brasil ter sido classificado por duas agências internacionais de classificação de risco como grau de investimento.
Não obstante as inequívocas melhoras, para competir globalmente, o Brasil precisa ter condições compatíveis com a de outros países. Isso inevitavelmente passa pela melhora na produtividade e redução nos custos de produção. A alteração na legislação trabalhista, portanto, urge.
A iniciativa do ministro é extremamente oportuna. Sobretudo porque, em um momento como este, quando muito se espera de progresso na legislação trabalhista brasileira, vimos assistindo exatamente o oposto. O Congresso Nacional aprovou a manutenção do imposto (imposto, sim) sindical obrigatório.
Uma recente lei alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para estabelecer que ninguém pode exigir experiência mínima superior a seis meses ao selecionar candidatos a emprego.
E mais: o presidente da República vetou o dispositivo da lei que remetia ao Tribunal de Contas da União (TCU) a obrigação de fiscalizar o emprego dos recursos pelas centrais sindicais. Notícias mais recentes tratam de possíveis projetos de lei sobre tornar obrigatória a contribuição assistencial, que hoje é facultativa. E, por fim, existe um projeto de lei que, se aprovado, torna praticamente impossíveis as demissões também no setor privado.
Apesar da atual crise econômica americana ser claramente diferente de quaisquer anteriores, sobretudo se compararmos os seus efeitos sobre outros países, e, ainda, mesmo sendo o Brasil um dos maiores beneficiários do motor econômico mundial que se transformou a China, ninguém sabe com segurança até que momento a nossa economia está sólida o suficiente para não sofrer os efeitos da crise.
Por isso, medidas para modernizar as condições em que as empresas competirão são mais do que bem-vindas em uma economia que pretende estar na vanguarda da produtividade mundial. Uma das causas da resistência à mudança é a própria origem de muitos membros do governo.
É notória a origem sindical do presidente Luis Inácio Lula da Silva, assim como de um grande número de seus assessores diretos e indiretos. No Congresso, mais de 10% dos parlamentares tem origem nos sindicatos.
É natural e esperado que quem veio da base sindical defenda a manutenção dos direitos dos trabalhadores. Sindicatos fortes são desejáveis. Mas sindicatos legitimamente fortes, não os que assim o são por força de recebimentos vultosos de valores compulsoriamente descontados.
O que há de novo na proposta de Mangabeira Unger é a mudança no foco. O ministro, com muita clareza, defende que a legislação atual é um problema porque exclui a maioria e não, como tantos defendem, porque é uma solução que beneficia o trabalhador.
A defesa do direito adquirido e a inclusão dos que não estão sob a proteção da lei é, muitas vezes, uma realidade impossível com o custo atual da contratação formal. O ministro afirma que "a maior parte da população econômica ativa atua no mercado informal. A maioria não só está fora como está também condenada à indignidade, à injustiça e à insegurança do trabalho informal.
Essa é uma calamidade brasileira - econômica, social e moral. O modelo institucional estabelecido das relações entre capital e trabalho, em vez de ser parte da solução, revelou-se ser parte do problema". Mangabeira Unger sabe que a resistência maior vem dos que defendem o direito adquirido, mas alerta que "estes ignoram que esta só atinge aqueles que estão incluídos no sistema e deixa todos os demais totalmente fora".
O fato novo é a disposição do governo em encontrar alternativas que não sacrifiquem somente um lado. Afinal, o ministro sabe que, sem as reformas previdenciária e tributária, não é possível fazer a reforma trabalhista. A discussão, na forma proposta pelo ministro Mangabeira Unger, é saudável e tem tudo para finalmente dar frutos, com benefícios para todas as partes envolvidas e para o país.
O aumento de produtividade e da formalidade nas contratações com geração de recursos em todas as esferas, como na arrecadação de tributos - idéias que, certamente, virão com a cautelosa flexibilização das leis trabalhistas proposta - é um esperado alento e pode servir para, em um futuro próximo, minorar um crescente problema em potencial.
Muito pouca gente fala nisso. Mas, não obstante o inegável mérito deste governo federal ao dar continuidade a inúmeros progressos iniciados pelo anterior na esfera pública, uma vez que isso é muito raro de ser observado na passagem de um governo para outro, o significativo aumento dos gastos públicos é uma bomba relógio que deverá explodir, possivelmente em outra gestão. Mas isso é outro assunto.
(*) Rui Meier é advogado e sócio responsável pelo núcleo trabalhista do escritório Tostes e Associados Advogados
Fonte: Valor Econômico, por Rui Meier, 14.07.2008
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